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Covid-19 pode ser considerada doença ocupacional?

O julgamento finalizado no dia 30/04/2020 pelo Supremo Tribunal Federal, para análise das decisões liminares proferidas pelo Ministro Marco Aurélio nas ações ajuizadas pelo Partido Democrático Trabalhista (ADI 6342), pela Rede Sustentabilidade (ADI 6344), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (ADI 6346), pelo Partido Socialista Brasileiro (ADI 6348), pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT) conjuntamente (ADI 6349), pelo partido Solidariedade (ADI 6352) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (ADI 6354), manteve a maior parte do texto da MPV n.º 927/20, porém, trouxe uma discussão aos empresários e operadores do direito: a possibilidade de a COVID-19 ser considerada doença ocupacional.

O texto da MPV n.º 927/20 dispõe em seu art. 29 que

os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

Assim, o texto da medida provisória buscou afastar o reconhecimento apriorístico da COVID-19 como doença ocupacional como regra geral, deixando o encargo de comprovar tal condição ao trabalhador.

A decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal, de suspender a eficácia do art. 29 da MPV n.º 927/20, teve como principais fundamentos reconhecer que seria demasiado oneroso impor ao trabalhador o ônus de comprovar o nexo de causalidade entre o trabalho e a contaminação pela doença, bem como o prestígio de sua jurisprudência anteriormente firmada (RE 828040) quanto à responsabilidade objetiva das empresas que prestam serviços que envolvam atividades de risco.

Desde então inúmeros artigos e matérias tem propagado a afirmação de que a COVID-19 é ocupacional, trazendo confusão e desespero aos empresários, em atitude passível de crítica, uma vez que o tema é mais complexo e delicado do que uma simples chamada atrativa à cliques e acessos.

Desde logo é bom dizer que a decisão do STF de suspender em sede de liminar a eficácia do art. 29 não implica em reconhecer que a COVID-19 sempre será tratada como sendo doença ocupacional. Todavia, a preocupação com essa definição não se restringe à emissão da CAT e à garantia de estabilidade no emprego após a alta médica prevista no art. 118, da Lei n.º 8.213/91.

De todo modo, é muito provável que as atividades relacionadas à saúde, bem como aquelas tidas como essenciais durante o período de calamidade pública (transporte público, farmácias, supermercados, para citar alguns exemplos), tenham sobre si a imposição da responsabilidade objetiva ante ao risco inerente ao seu funcionamento em período de transmissão comunitária do coronavírus. O que não é novidade legislativa nem jurisprudencial, porque já prevista no art. 20 da Lei n.º 8.213/91 e reconhecido pelo STF em repercussão geral .

Porém, tal tese não poderá ser aplicada aos casos de empresas que não expuseram seus empregados durante suas atividades no período da pandemia, seja pela adoção das medidas recomendadas pelas autoridades sanitárias, seja pela adoção de teletrabalho ou home office, por exemplo. Hipótese em que deverá ser apurada a responsabilidade subjetiva (c.f. art. 7º, XXVIII, Constituição Federal), na qual impõe-se a investigação não só da existência de nexo de causalidade, mas também da culpa pela contaminação.

E aqui é importante registrar que o Ministério da Saúde reconheceu no dia 20/03/2020 (Portaria n.º 454, de 20 de março de 2020) estado de transmissão comunitária do coronavírus, o que em outras palavras nos diz que a maior autoridade sanitária do País reconheceu que já nos encontrávamos no estágio de contágio em que já não era possível aferir a fonte da contaminação.

Sob essa análise, é responsabilidade das empresas adotar, mediante comprovação, as medidas de segurança necessárias a garantir a segurança sanitária de seus empregados, conforme Nota Técnica Conjunta n.º 02/2020 - PGT/CODEMAT/CONAP, expedida pelo Ministério Público do Trabalho, com as seguintes recomendações:

FORNECER lavatórios com água e sabão; FORNECER sanitizantes (álcool 70% ou outros adequados à atividade); ADOTAR medidas que impliquem em alterações na rotina de trabalho, como, por exemplo, política de flexibilidade de jornada quando os serviços de transporte, creches, escolas, dentre outros, não estejam em funcionamento regular e quando comunicados por autoridades; ESTABELECER política de flexibilidade de jornada para que os trabalhadores atendam familiares doentes ou em situação de vulnerabilidade a infecção pelo coronavírus e para que obedeçam a quarentena e demais orientações dos serviços de saúde; NÃO PERMITIR a circulação de crianças e demais familiares dos trabalhadores nos ambientes de trabalho que possam representar risco à sua saúde por exposição ao novo coronavírus, seja aos demais inerentes a esses espaços; SEGUIR os planos de contingência recomendados pelas autoridades locais em casos de epidemia, tais como: permitir a ausência no trabalho, organizar o processo de trabalho para aumentar a distância entre as pessoas e reduzir a força de trabalho necessária, permitir a realização de trabalhos a distância; ADOTAR outras medidas recomendadas pelas autoridades locais, de molde a resguardar os grupos vulneráveis e mitigando a transmissão comunitária; ADVERTIR os gestores dos contratos de prestação de serviços, quando houver serviços terceirizados, quanto à responsabilidade da empresa contratada em adotar todos os meios necessários para conscientizar e prevenir seus trabalhadores acerca dos riscos do contágio do novo coronavírus (SARS-COV-2) e da obrigação de notificação da empresa contratante quando do diagnóstico de trabalhador com a doença (COVID-19).

Adicione-se ao presente contexto de risco às empresas quanto ao reconhecimento da COVID-19 como sendo doença ocupacional a revogação da MP n.º 905/2020, que havia excluído o acidente de trajeto do rol de hipóteses de acidente de trabalho. Isso porque a adoção inadequada da responsabilidade objetiva das empresas e o reconhecimento da COVID-19 como doença ocupacional pode permitir que seja alegada a contaminação pelo coronavírus no trajeto de ida e volta para o trabalho.

Mesmo que se saiba do cenário de guerra vivido no País em razão da pandemia, a imputação irrestrita de responsabilidade pelo contágio pelo novo coronavírus (SARS-COV-2) às empresas não trará bons resultados, pois, poderá implicar na opção pela demissão preventiva dos empregados, ou o encerramento das empresas pela impossibilidade de arcar com os ônus advindos dessa responsabilização precipitada.

Assim, ante ao panorama desenhado pelo Supremo Tribunal Federal com a suspensão da eficácia do art. 29 da Medida Provisória n.º 927/20, sublinhando o que já previsto na Lei n.º 8.213/91 e sua própria jurisprudência, mostra-se fundamental às empresas adotar medidas sanitárias, e gerar documentação comprobatória, de prevenção e de proteção à saúde dos trabalhadores quanto ao risco de contaminação novo coronavírus (SARS-COV-2) tal como determinado pelas autoridades sanitárias.

Leonardo Gonoring Gonçalves Simon

Advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio do Abreu Júdice Advogados

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