Blog

Desbravando a Disputa Tributária: animais vivos e a dedução de créditos de PIS e COFINS

Enzo Guidi

A recente decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a possibilidade de considerar animais vivos como carne para fins de dedução de créditos de PIS e COFINS é um tema que não apenas desperta interesse jurídico, mas também lança luz sobre a intricada dinâmica tributária do setor agropecuário. Este embate, agora em um cenário judicial em ebulição, nos conduz a uma análise profunda sobre os limites e alcances da legislação tributária brasileira.

O cerne da controvérsia reside na interpretação do artigo 8º da Lei 10.925/2004, que estipula a possibilidade de dedução de créditos presumidos sobre operações de compra de insumos, com uma alíquota de 60%. O ponto nevrálgico aqui é a definição de "insumo" e como esta se aplica aos animais vivos.

A favor desta interpretação, argumenta-se a ausência de uma definição clara na legislação, o que abre espaço para uma interpretação mais ampla. Além disso, destaca-se a importância fundamental dos animais vivos na cadeia produtiva da carne, sublinhando sua essencialidade como elemento primordial.

Por outro lado, vozes levantam preocupações éticas e práticas. A distinção entre animais vivos e carne processada ressalta a complexidade ética envolvida na tributação, especialmente considerando a senciência animal (inclusive, o tema está amplamente tratado na Reforma do Código Civil, em debate no Congresso Nacional). Além disso, argumenta-se que a dedução de créditos presumidos visa incentivar a aquisição de insumos básicos, e os animais vivos podem não se enquadrar nesse conceito, uma vez que não são utilizados diretamente como insumos na produção.

A 1ª Turma, no entanto, rejeitou essa interpretação. O voto foi unânime. O ministro Benedito Gonçalves, relator do caso, inicialmente optou por manter a conclusão do TRF-3, mas foi convencido pelo voto da ministra Regina Helena Costa e mudou de posição.

Para a ministra, seria contraditório conceder crédito na alíquota de 60% quando o matadouro compra o boi morto e, por outro lado, de apenas 35% quando adquire o animal ainda vivo. "Em ambos os casos, ocorrerá o abate."

A interpretação da corte de segunda instância foi considerada equivocada, pois, segundo ela, o percentual da alíquota de PIS e Cofins determinado pelo artigo 8º da Lei 10.195/2004 depende do tipo de mercadoria produzida, não da origem do insumo utilizado.

Essa visão é corroborada pela posição adotada pelo Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) na Súmula 157: “O percentual da alíquota do crédito presumido das agroindústrias de produtos de origem animal ou vegetal, previsto no art. 8º da Lei nº 10.925/2004, será determinado com base na natureza da mercadoria produzida ou comercializada pela referida agroindústria, e não em função da origem do insumo que aplicou para obtê-lo”.

"Levando em conta o período de apuração, a aquisição de boi vivo usado como insumo na produção de produtos diversos fica sujeita à alíquota do artigo 8º, parágrafo 3º, inciso I, da Lei 10.925/2004", concluiu a ministra.

Com a decisão favorável ao recurso, o caso retorna ao TRF-3 para uma nova análise.

Enzo Guidi é advogado tributário do Abreu Júdice Advogados

Imagem de wirestock no Freepik

Compartilhe essa publicação