Blog

A (in)constitucionalidade do Novo Código Florestal: saiba o que pode mudar com o julgamento pelo STF

A reforma do Código Florestal, promovida pela Lei nº 12.651/2012, e posteriores alterações, foi precedida de intensos debates nos setores interessados da sociedade e no seio jurídico. Dentre os principais pontos de conflito, destacaram-se as alterações acerca do regime jurídico da Reserva Legal e da Área de Preservação Permanente, ao passo que, de acordo com os detratores do novo código, as alterações legislativas promoveriam o decréscimo na proteção ambiental albergada na Constituição Federal. A discussão, contudo, não se encerrou com a aprovação do projeto de lei, visto que, tão logo aprovada, a reforma teve sua constitucionalidade questionada perante o STF, mediante Ações Diretas de Constitucionalidade (ADI) formuladas pelo Ministério Público Federal e pelo PSOL (ADIs 4901, 4902, 4903 e 4937, de 2013).

Passados mais de quatro anos do ajuizamento das ADIs, as quais contaram com a realização de audiência pública e os pareceres e exposições das mais diversas associações interessadas, de especialistas e de estudiosos do tema, o relator das ações, o ministro Luiz Fux, sinalizou e iminência da realização do julgamento, com o pedido de inclusão das ADIs na pauta de sessão do STF.

Mas, o que está em jogo no julgamento das ações?

O nosso ordenamento jurídico prevê que o exercício do direito de propriedade é limitado pela necessidade de preservação dos atributos naturais de determinados espaços territoriais. Para tal fim, o antigo Código Florestal, instituído pela Lei nº 4.771/76, estabeleceu os dois principais instrumentos de proteção da vegetação nativa: as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as Reservas Legais (RL), cuja supressão, em desacordo com os requisitos legais, importa na obrigação de recompor as áreas afetadas, afora as penalidades nos casos em que se configure crime ambiental.

As APPs destinam-se à proteção de áreas sensíveis, rurais ou urbanas, que desempenham importantes funções ambientais para o equilíbrio ecológico, a exemplo das faixas marginais de cursos e reservatórios d’água (mata ciliar), encostas de alta declividade, restingas, manguezais, chapadas, topos de morros e áreas de grande altitude, nos limites das métricas definidas em lei.

Por sua vez, as RLs são cotas de vegetação natural que devem ser mantidas em cada propriedade rural, com o fim de auxiliar a conservação da biodiversidade e reabilitação dos processos ecológicos, servindo ainda de abrigo e proteção da fauna e flora. As RLs têm seu tamanho definido de acordo com o ecossistema onde a propriedade se encontra, variando nos percentuais de 80%, 35% e 20%, e podem ser exploradas economicamente mediante práticas sustentáveis.

O novo Código Florestal, embora tenha mantido as APPs e RLs (e, inclusive, até aumentado o rol de APPs), alterou a contabilização de suas métricas e alargou as hipóteses de sua supressão, o que resultou, em termos absolutos, numa redução das áreas protegidas e, portanto, das áreas a serem recuperadas.

Um exemplo é o ponto em que se inicia a metragem de constituição das matas ciliares em APP. O antigo Código Florestal definia que a contagem se iniciava do nível mais alto alcançado pelo corpo d’água, ou seja, pelo seu leito de inundação; para o novo código, porém, a metragem se inicia pelo leito regular. A alteração é relevante, já que avariação do regime fluvial ocasiona mudanças de vários metros nas margens dos rios.

Outra alteração foi a possibilidade de contabilizar as APPs existentes em uma determinada propriedade para o fim de se alcançar a porcentagem mínima exigida de RL – o que, no regime do antigo código, era possível apenas em situações excepcionais. Assim, se,antes, o proprietário deveria manter a porcentagem de RL, além da APP, agora, em regra, pode diminuir da RL a área de vegetação equivalente à APP.

Além disso – e aqui reside um dos principais pontos de dissonância –, a nova lei introduziu o conceito de área rural consolidada, definida como aquela com ocupação humana preexistente a 22 de julho de 2008 (data da regulamentação da Lei de Crimes Ambientais).

Em linhas gerais, para essas áreas, é autorizada a manutenção da exploração de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em APP; a obrigação de recompor a vegetação nativa ilegalmente suprimida é flexibilizada, e importa na suspensão e extinção das sanções decorrentes de infrações ambientais cometidas antes de 22 de julho de 2008 – o que é visto, pelos opositores do novo código,como anistia aos proprietários que infringiram a lei.

Essas são algumas das diversas alterações questionadas pelas ADIs prestes a serem julgadas pelo STF, sob o fundamento de que representam, na visão dos críticos da lei, um retrocesso na qualidade da proteção ambiental prevista em nossa Constituição, sobretudo em face das conhecidas dificuldades de implantação e efetivo cumprimento da legislação ambiental.

Por outro lado, não há como ignorar que o novo Código Florestal está vigente há cinco anos, período durante o qual uma miríade de proprietários e produtores rurais se adequou às inovações legislativas. Nesse contexto, a modificação abrupta da lei vigente, por meio da declaração de inconstitucionalidade, frustra investimentos de toda sorte, interrompe políticas de regularização fundiária em andamento, enfim, acarreta notória insegurança jurídica.

É possível, contudo, assim como em outros julgamentos que envolvem questões com amplo reflexo social e econômico, que o STF, no caso de procedência das ADIs, module os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, prevendo marcos de vigência e exigibilidade que busquem minorar os efeitos nocivos da mudança da legislação, respeitando-se situações jurídicas consolidadas.

Seja como for, os desafios e oportunidades trazidos pelo novo Código Florestal permanecem em voga, sobretudo às vésperas do julgamento do STF, que possui o poder de modificar novamente o regime jurídico dos espaços naturais protegidos, bem como retroceder as benesses concedidas aos proprietários de áreas consolidadas, que incluem a manutenção de atividades econômicas e a suspensão e extinção de penalidades ambientais.

A toda evidência, esse cenário, somado à complexidade e atualidade da questão ambiental, torna ainda mais necessário o atualizado e criativo assessoramento jurídico das empresas, proprietários e produtores rurais, assumindo, assim, notório caráter estratégico para as relações negociais dos diversos atores envolvidos.

Rodrigo Lima é advogado ambiental e sócio do Abreu Júdice Advogados Associados.

Compartilhe essa publicação