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Onerosidade excessiva e revisão contratual em tempos de Covid-19

Diferentemente da força maior, que opera como excludente de responsabilidade do devedor em indenizar o credor pelo inadimplemento de determinada obrigação em razão de fato invencível, a onerosidade excessiva ocorre quando, em razão de eventos imprevisíveis e extraordinários, o cumprimento contratual se torna excessivamente oneroso para uma das partes e, em contrapartida, extremamente vantajoso para a outra parte da relação contratual.

Trata-se de hipótese expressamente definida pelo art. 478 do Código Civil e que, em razão das condições observadas, nem sempre se caracteriza no plano da realidade:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Porém, considerando o agravamento da crise econômica, não raro surgirão desafios no seio das relações contratuais em que a onerosidade excessiva se caracterizará e, de igual modo, deverá ser analisada à luz de cada caso concreto. Isto porque, enquanto alguns ramos de atividades serão extremamente afetadas pela pandemia, outras continuarão a funcionar normalmente.

Sendo assim, a onerosidade excessiva pressupõe um manifesto desequilíbrio contratual entre as partes da relação, prejudicando por inteiro o cumprimento obrigacional, com consequente desestabilização do valor econômico do objeto contratado.

Diante desses casos, como proceder?

Para essas hipóteses, o Código Civil prevê a possibilidade de intervenção judicial para resolução do contrato, porém, tanto a doutrina como a jurisprudência majoritárias incluem a revisão contratual nesta hipótese:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Todavia, ressaltamos que a intervenção judicial é medida excepcional no âmbito das relações jurídicas privadas, porquanto vige no seio dessas relações contratuais a liberdade econômica e a força obrigatória dos contratos. Em razão disso, somente quando presentes circunstâncias alheias aos limites da previsibilidade contratual, isto é, que ocasionam manifesto desequilíbrio entre as partes, é que se legitima a atuação do Poder Judiciário, de forma a restabelecer o valor econômico do contrato.

Recentemente, foi publicada a Lei Nº 14.010/2020 - antigo PL 1179/2020 -, que prevê certas modificações temporárias no âmbito das relações privadas enquanto perdurar a pandemia. Todavia, foram vetadas da Lei todas as disposições específicas sobre a revisão/resolução contratual, não havendo qualquer deliberação quanto aos efeitos da pandemia na seara contratual.

Desse modo, considerando os instrumentos jurídicos de nosso ordenamento e a forma pela qual a jurisprudência nacional vem decidindo nos casos concretos, ressaltamos que a aplicação da revisão contratual não é automática, uma vez que deve ser precedida de um exame detido das circunstâncias fáticas pelo juiz, jamais podendo ser infundada.

Neste aspecto, é imperioso compreender, ainda, que o remédio da onerosidade excessiva não se presta a reequilibrar o patrimônio do devedor em dificuldade financeira ou lhe retirar o ônus do cumprimento contratual ao simples fundamento de fato imprevisível, mas destina-se a restabelecer a harmonia em uma relação contratual específica, diretamente atingida pela força das circunstâncias externas e extraordinárias no caso concreto.

Considerado isso, em virtude da paralisação das atividades econômicas em tempos de pandemia, é inegável que haverá uma significativa redução do fluxo de caixa em diversas empresas, que se encontram com dificuldades no cumprimento contratual. Todavia, a situação patrimonial das partes que se encontram em dificuldade econômica, por si só, não enseja a onerosidade excessiva. Ao contrário, o núcleo essencial da onerosidade excessiva reside no equilíbrio intrínseco a determinado contrato.

Além disso, considerando que nem todas as atividades econômicas encontram-se obstadas, essa questão não deve ser encarada de forma universal e generalizada, pois, mesmo em meio à crise, a revisão ou a resolução contratual se darão de maneira excepcional.

Portanto, num determinado contrato de prestação continuada, caso se observe que o atual momento de pandemia resultou na modificação das circunstâncias fáticas das partes e, devido a isso, uma se encontra em extrema desvantagem em relação à outra, a revisão judicial dos contratos é uma alternativa.

Todavia, considerando que a judicialização de demandas para a revisão ou resolução contratual apresenta quase sempre ônus a ambas as partes da relação, seja em razão do maior tempo para se solucionar a controvérsia, seja em razão dos custos a serem arcados, é absolutamente importante que as partes considerem a possibilidade de renegociação dos contratos de forma amigável, não apenas neste caso de onerosidade excessiva, mas em qualquer outra hipótese de dificuldade no cumprimento contratual.

Conclusão

Feitas essas considerações, é inegável que o atual cenário brasileiro de crise econômica jamais pôde ser imaginado pelos contratantes, o que certamente interferirá no cumprimento contratual de diversas obrigações a nível nacional. Contudo, eventual inadimplemento não pode ser, em qualquer caso, justificável diante da pandemia, pois nem todas as relações jurídicas privadas encontram-se de fato paralisadas ou diretamente prejudicadas.

O entendimento que deve prevalecer no bojo de qualquer relação contratual é o da força obrigatória dos contratos, motivo pelo qual dificuldades patrimoniais oriundas da pandemia não são hábeis a sustentar o reconhecimento de força maior ou de onerosidade excessiva.

De igual modo, a onerosidade excessiva, à luz do Código Civil, tem por pressuposto o manifesto desequilíbrio entre as partes contratuais, motivo pelo qual eventual judicialização visando a revisão de contratos somente surtirá efeitos caso se comprove, diante das circunstâncias fáticas, a desproporção no valor econômico da obrigação em contratos de prestação continuada.

Fato é que, quando da celebração dos contratos, os cidadão brasileiros não tinham como prever o surgimento de uma pandemia desta gravidade e, portanto, muitos se verão inseridos neste cenário de dificuldade econômica.

Considerando que a ocorrência de onerosidade excessiva é instituto legal a ser resolvido nos termos da lei civil e que, portanto, não poderá ser estendido a todos os casos que envolvem descumprimento contratual, a melhor solução permanece ser a renegociação entre as partes, seja pelo reajuste do valor devido, prorrogação do prazo para pagamento e demais modificações por termo aditivo ao contrato, pelo o que a intervenção do Estado somente deverá ocorrer de forma excepcional para equalização das relações jurídicas prejudicadas.

Fontes para consulta:

Conjur 1

Conjur 2

Migalhas

JusBrasil

Senado

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