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Código de mineração vigente e o novo regulamento

A inovação trazida pelo novo regulamento é ilegal e inconstitucional

As áreas sem relatório final de pesquisa apresentado continuam livres para requerimentos de pesquisa com a entrada em vigor do novo Regulamento do Código de Mineração?

Para aquisição originária, (quer dizer, fora as hipóteses de se adquirir ou arrendar os direitos de terceiros) de direitos minerários, o interessado no futuro aproveitamento econômico de recursos minerais deve requerer a titularidade dos direito minerários por meio de processo administrativo junto à Agência Nacional de Mineração - ANM, recentemente implantada e que substituiu o Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM.

Em breves linhas, um dos princípios basilares do Direito Minerário é o Princípio da Prioridade, que prevê que se tornará titular dos direitos minerários o primeiro a requerer a titularidade de área “livre”, e desde que preencha os requisitos legais do requerimento apresentado (disposição do Art. 16, I a VII; e de Art. 17; Código de Mineração).

Para o objetivo deste artigo é importante ressaltar que, dentre as hipóteses previstas no Art. 18 , Código de Mineração, para ser considerada livre a área não pode estar “vinculada à autorização de pesquisa, com relatório dos respectivos trabalhos tempestivamente apresentado, e pendente de decisão”.

Segundo esta previsão legal, o interessado pode se tornar titular de direito minerário por meio de protocolo prioritário de requerimento de pesquisa na ANM, cujo objeto seja área que, não obstante vinculada à autorização de pesquisa, esteja livre em razão da não apresentação tempestiva do relatório.

Em interpretação simples e direta desse dispositivo, percebe-se com clareza que o legislador colocou como requisito para a oneração da área (a área não estar livre) que o relatório tenha sido apresentado tempestivamente. Em dedução lógica, no caso de não ser apresentado o relatório a área não estaria enquadrada nessas hipóteses, estando, portanto, livre para requerimentos.

Esse regramento, registre-se, é a causa das famigeradas “filas” perante o antigo DNPM, em que requerentes passavam dias, semanas ou até meses para guardar um lugar e à espreita de áreas em que o titular deixasse de apresentar o relatório final de pesquisa tempestivamente.

Outra forma de se adquirir originariamente um direito minerário, até a entrada em vigor do novo regramento inserto no Decreto 9.406/2018, era a possibilidade de sair-se vencedor de edital de disponibilidade, mediante apresentação da melhor proposta técnica a juízo do antigo DNPM.

Ocorre que, em razão da instalação da ANM em 05 de dezembro de 2018, o Decreto 9.406/2018 que institui o novo Regulamento do Código de Mineração entrou em vigor, nos termos do Art. 84, II, trazendo inovação na ordem jurídica, dentre outros, em relação à hipótese de área ficar livre para requerimentos.

Com efeito, a partir do novo Regulamento, nos processos de direitos minerários em que não houve a apresentação tempestiva de relatório final de pesquisa a área não mais se tornará livre, conforme a literalidade do Art. 8º, VII, “a”, do novo Regulamento do Código de Mineração:

Art. 8º Será considerada livre a área que não se enquadre em quaisquer das seguintes hipóteses:

VII - área vinculada a autorização de pesquisa nas seguintes condições:

a) sem relatório final de pesquisa tempestivamente apresentado;

Como se pode ver, a intepretação lógica desse dispositivo nos leva à conclusão de que a área vinculada à autorização de pesquisa, com relatório final de pesquisa apresentado intempestivamente, não é mais considerada livre, para fins de ser objeto de requerimento de titularidade de direitos minerários.

Dessa forma, com a vigência do Art. 8º, VII, “a”, do novo Regulamento, passou a ocorrer um aparente conflito de normas jurídicas no sistema de direito minerário brasileiro já que, na lista do Art. 18 do Código de Mineração a área estaria onerada apenas com a apresentação tempestiva do relatório, não constando a hipótese de a área não estar livre também no caso de não apresentação do relatório.

Com o novo Regulamento, conforme seu Art. 8º, VII, “a”, a área não mais ficaria livre na hipótese de não apresentação do relatório final de pesquisa, devendo ir a leilão conforme o Art. 45 do novo Regulamento.

Esse conflito aparente das normas jurídicas extraíveis do Art. 8º, VII, “a”, do Regulamento, e do Art. 18, do Código de Mineração, é solucionável pela aplicação da norma jurídica erigida do Art. 84, IV, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/1988, ao caso, uma vez que “decretos regulamentares se subordinam hierarquicamente à lei que pretendem regulamentar” (BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 416).

Explica-se: é descabido que regulamentos inovem no ordenamento jurídico, já que compete a eles tão somente o “desenvolvimento da lei, com a dedução dos comandos nela virtualmente abrigados” (STF, ADI 3.394), pois é vedado a decretos regulamentares dispor diferentemente do previsto em lei (STF, ADI 996).

Assim, a nova regra jurídica trazida pelo Art. 8º, VII, “a”, novo Regulamento, em tese, é inconstitucional, por violar o Art. 84, IV, da Constituição Federal, uma vez que, segundo a norma constitucional, regulamentos devem exclusivamente facilitar a execução da lei regulamentada, sendo defeso alterá-la (criar ou extinguir situações jurídicas), como faz o Regulamento ao elastecer as hipóteses do Art. 18 do Código de Mineração quanto ao estado jurídico de área sem relatório final de pesquisa tempestivamente apresentado.

Sobre a matéria de fundo, cabe ainda o comentário que é antiga a vontade do Executivo de extinguir a hipótese de a área se tornar livre em razão da não apresentação tempestiva de relatório final de pesquisa, tendo em vista a tentativa de alteração do Art. 18 do Código de Mineração pela Medida Provisória 790/2017, a qual teve a vigência encerrada pelo Congresso Nacional sem alterar o Art. 18, Código de Mineração.

Essa mudança seria elogiável por acabar com uma verdadeira aberração que são as “filas” no antigo DNPM, por vezes gerando conflitos entre requerentes, e submetendo-os à sorte ou a artifícios para obter a frente e protocolar primeiramente o seu requerimento.

Contudo, mesmo as boas ideias devem seguir os trâmites legislativos adequados, em homenagem à segurança jurídica, e não pode o Executivo, por meio de Decreto, buscar solucionar a questão de forma contrária ao dispositivo de Lei. O trâmite previsto na Constituição demanda a submissão de projeto de lei ao Congresso Nacional para alterar o art. 18 do Código de Mineração, ou mesmo a edição de Medida Provisória, como tentara fazer o Executivo com a MP de 2017, conforme as regras vigentes de processo legislativo constitucional.

Consoante tais considerações, entendemos que a inovação trazida pelo novo Regulamento é ilegal e inconstitucional, e pode ser questionada judicialmente pelos interessados, no sentido de fazer prevalecer a norma do Art. 18 do Código de Mineração, para que continuem a ser consideradas como livres as áreas sem relatório final de pesquisa apresentado tempestivamente.

Felipe Martins é advogado especialista em direito minerário e sócio do Abreu Júdice Advogados Associados

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