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Quais as vantagens da Arbitragem na pandemia?

Em tempos de pandemia, diversos são os conflitos decorrentes de fatos imprevisíveis que nem sempre poderão ser solucionados de forma rápida e eficiente pelo Poder Judiciário, motivo pelo qual o uso de meios alternativos apresenta-se como caminho mais vantajoso para as partes envolvidas, a exemplo da conciliação, da mediação, da autocomposição e da arbitragem.

No cenário nacional, a Arbitragem vem ganhando cada vez mais espaço como meio extrajudicial de resolução de conflitos e, embora seja instituto antigo cujos registros remontam à Grécia Antiga, somente foi regulamentada no ordenamento jurídico brasileiro em 1996 pela Lei n° 9.307/96.

Mas, o que configuraria exatamente a Arbitragem?

Em termos amplos e sem pretensão de esgotar o tema, a Arbitragem é uma forma privativa e extrajudicial de resolução de conflitos que envolvam direitos dotados de expressão econômica, a serem decididos por terceiro imparcial, escolhidos pelas partes, o qual atuará como “juiz” da causa segundo as regras e os princípios norteadores do procedimento arbitral, conforme abordaremos adiante.

Portanto, nem todas as matérias poderão ser decididas por Arbitragem, mas somente aquelas relativas a direitos sobre os quais as partes podem livremente transacionar. Assim, a arbitragem poderá ser utilizada em diversas áreas do direito que envolvam expressão econômia, como o direito civil, consumerista, empresarial, trabalhista e inclusive nos casos que envolvam a Administração Pública, cada qual com suas devidas particularidades e regras jurídicas aplicáveis.

É devido ressaltar, ainda, que o uso da Arbitragem poderá ser feito de maneira isolada pelas partes isto é, sem a participação de uma entidade especializada, o que se denomina ad hoc, bem como poderá ser operacionalizada por meio de Instituições Arbitrais especializadas na solução de conflitos, a partir de Câmaras e Centros Arbitrais. Nesse caso, serão elas as responsáveis pela implementação das regras, tais como prazos, formas dos atos, custos, produção de provas e demais necessidades relativas ao procedimento.

Requisitos essenciais à Arbitragem

Para que determinado conflito seja submetido ao procedimento arbitral, é essencial que haja consenso prévio entre as partes que, por meio de uma convenção arbitral, decidem não submeter seus litígios, presentes ou futuros, ao crivo do Poder Judiciário mas sim ao juízo arbitral.

Desse modo, a instituição da Arbitragem tem como pressuposto o exercício da autonomia da vontade, não podendo jamais ser presumida, pelo o que deverá a convenção arbitral constar expressamente no instrumento contratual ou em documento apartado que integre o Contrato firmado entre as partes (art. 3° da Lei 9.307/96).

A partir disso, as partes expressamente concordam em afastar a jurisdição do Estado em caso de conflitos entre si, ao passo que o ente estatal só poderá ser provocado excepcionalmente nas hipóteses previstas em Lei. Neste sentido, ninguém poderá ser obrigado a submeter seus conflitos à Arbitragem, porém, uma vez convencionada, sua instituição torna-se obrigatória e vinculante às partes.

Nuances sobre o procedimento arbitral

Uma vez formalizada a supracitada convenção, a solução do litígio será decidida pela figura do árbitro, terceiro imparcial que, à escolha das partes, atuará como uma espécie de “juiz” a conduzir o procedimento arbitral, durante o qual serão respeitados, obrigatoriamente,os princípios do contraditório e da ampla defesa, da igualdade entre as partes (art. 2° da Lei 9.307/96).

A escolha do julgador pode ser feita de duas formas, ficando a critério das partes definir se o farão em comum acordo ou se deixarão a tarefa para entidade arbitral, podendo, inclusive, definir mais de um árbitro para a causa, desde que em número ímpar.

Os únicos requisitos impostos pela Lei da Arbitragem é que seja pessoa física, capaz e de confiança das partes, o que permite a seleção de profissionais especialistas no assunto a ser discutido, bem como, que não preencham os mesmos requisitos capazes de ensejar o impedimento dos juízes no âmbito do Poder Judiciário.

Para ser árbitro, não se faz necessário ter formação em Direito, porém, considera-se imprescindível a qualificação profissional e o conhecimento técnico no assunto objeto da questão, o que proporciona maior segurança jurídica e qualidade das sentenças arbitrais.

A Arbitragem e o Poder Judiciário

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça, predominante na doutrina brasileira, é no sentido de que a Arbitragem é dotada de jurisdição, de modo que a existência de cláusula arbitral atrai para figura do árbitro a prevalência sobre o Poder Judiciário, sendo tais esferas, grosso modo, independentes ainda que harmônicas.

Por tal motivo, a sentença arbitral não se sujeita a recurso ou à homologação pelo Poder Judiciário, todavia, poderão ser invalidadas nas hipóteses de nulidade previstas em Lei (art. 32 da Lei 9.307/96) que se baseiam, substancialmente, na ocorrência de ilegalidade, caso em que as partes poderão recorrer ao Poder Estatal, não havendo que se falar, contudo, em novo julgamento do mérito da ação.

Conforme se observa, não há autonomia absoluta do procedimento arbitral em face do Poder Judiciário, porquanto diversas são as situações que reclamam mútuo diálogo entre o juízo arbitral e o Poder Judiciário, a exemplo da carta arbitral que solicita atos de cooperação ao magistrado, eventual cumprimento de medidas cautelares determinadas pelos árbitros e demais hipóteses previstas na Lei de Arbitragem e no CPC/2015.

Os benefícios da Arbitragem

Diversos são os benefícios decorrentes do uso da Arbitragem. Dentre estes, destaca-se a confidencialidade e a celeridade do procedimento arbitral, o qual, nos termos da lei, terá a duração de até seis meses podendo as partes estipularem prazos diversos.

Disso, tem-se a flexibilidade e a menor formalidade do procedimento arbitral, cujas regras poderão ser convencionadas de comum acordo pelas partes, nos termos do art. 21 da Lei.

Uma vez que a todos é garantida a ampla defesa e o contraditório, estes se tornam ainda mais facilitados pela adequação das regras procedimentais às necessidades dos envolvidos, a exemplo do uso da tecnologia para a comunicações, realização de reuniões e audiências por teleconferência, notificações por e-mail ou até mesmo Whatsapp, tudo em prol da eficiência e menor prejuízo às partes.

Outro fator de extrema relevância é a maior qualidade técnica das decisões arbitrais, uma vez que os julgadores do caso são definidos pelas partes e, em regra, possuem conhecimento técnico mais aprimorado sobre o tema, o que não apenas facilita o julgamento do conflito mas confere maior segurança jurídica aos envolvidos.

Destaca-se também que as sentenças arbitrais produzem os mesmos efeitos das proferidas pelo Poder Judicário (art. 31 da Lei de Arbitragem e art. 515, VII, do CPC/2015), devendo ser cumpridas pelos subordinados, sob pena de implicações legais, e podendo ser executada judicialmente.

Interessante ressaltar, ainda, que mesmo no seio do procedimento arbitral a Lei estimula a realização de conciliação prévia entre as partes (art. 21, §4°), o que mais uma vez se coaduna ao novo paradigma instituído pelo Código de Processo Civil brasileiro em prestigiar a solução amigável de litígios, tema central desta série de artigos publicados em parceria com o SESCON.

Disso se conclui que o trâmite arbitral se faz menos traumático para as relações das partes do que o meio judicial, dado o seu enfoque na solução consensual da adversidade, afastando-se da cultura de litigância, o que, em um mundo cada vez mais globalizado, preserva importantes parceiros econômicos.

Arbitragens em tempos de Covid-19 e a nova mentalidade

Em tempos de pandemia, os principais desafios se apresentam em razão da crise econômica instaurada no cenário brasileiro, o que obriga a diversas empresas e pessoas físicas a tomarem medidas emergenciais de renegociação contratual, elaboração de termos aditivos, prorrogação de prazos para pagamento de dívidas e judicialização de pedidos para dispensa de indenização.

Por outro lado, com o excesso de processos em curso no Judiciário e a atual suspensão dos prazos processuais, a morosidade para se obter uma resposta se torna ainda mais intensa, o que nos remonta à urgente necessidade de priorização, tanto quanto possível, de formas extrajudiciais de resolução de conflitos, a fim de que eventual judicialização ocorra somente em último caso.

Posto isso, o uso da Arbitragem se apresenta como alternativa ao nosso retrógrado judiciário, uma vez que diversos são os benefícios decorrentes de seu uso, tais como a resolução célere, tecnicamente adequada e cooperativa entre as partes.

Lembramos, ainda, que a Arbitragem pode ser utilizada não apenas no campo das relações civis e empresariais contratuais, mas também pela Administração Pública nos ramos do direito administrativo, e em casos mais isolados até em relações consumeristas e trabalhistas.

Ainda que a priori seja um meio mais custoso, a celeridade inerente ao procedimento arbitral o revela mais benéfico no curso do tempo, do que se extrai melhor custo benefício. Por outro lado, com o uso mais frequente desse mecanismo, a diferença de valor entre o âmbito judicial e a Arbitragem vem diminuindo a cada ano.

Aos interessados na instituição de Arbitragem, mas que ainda não possuem o conhecimento de como proceder, poderão se informar juntamente aos canais das instituições especializadas e pela assistência jurídica de advogados, a fim de que possam assegurar o esclarecimento cada vez mais célere de eventuais conflitos, sobretudo os contratuais, decorrentes da pandemia.

Por fim, é devido lembrar que o uso da Arbitragem não se trata apenas de novidade relacionada ao atual cenário de crise, mas deve ser compreendida como realidade que se consolida pelo gradual abandono da cultura da litigância. Contudo, é justamente nos momentos de crise que somos desafiados a dar chance ao novo, tal como a valorização das formas de resolução extrajudicial de conflitos, o que, embora antes se considerava tema do futuro, hoje revela-se inerente ao presente.

Carolina de Souza de Abreu Júdice, advogada e Sócia

Luciana Marques de Abreu Júdice, advogada e Sócia Fundadora

Leonardo Gonoring Gonçalves Simon, advogado e Sócio Proprietário

Enzo Scaramussa Colombi Guidi, estagiário de Direito

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